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Casos de Falsas Acusações de Abuso Sexual, parte VI "Martinsville"

Marteisville



O fenômeno não se circunscreveu aos Estados Unidos, onde tudo pode acontecer; o Canadá não escapou ao fenômeno. Na cidadezinha de Martensville, perto de Saskatoon, na Província de Saskatchewan, uma menina de 2 anos e meio, que ia à creche da família Sterling, apareceu em setembro de 1991, com uma irritação na pele, certamente produzida por fraldas molhadas. A mãe da criança, influenciada pelo ambiente de caça ao pedófilo, suspeitou de abusos sexuais e avisou a Polícia, que encarregou a agente Claudia Bryden de interrogar todas as crianças da creche. Esta foi ajudada pelo agente Jim Elstad, com alguma experiência nestes casos, e por vários terapeutas [25].
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Casos de Falsas Acusações de Abuso Sexual, parte V " Wenatchee"


Wenatchee

 

 

 

A cidadezinha de Wenatchee, no Estado de Washington, tinha, em 1992, cerca de 58.000 habitantes, que gozavam de uma existência calma e sem grandes problemas. Até que rebentou um escândalo de abuso sexual de crianças, que a transformou numa espécie de capital americana da pedofilia.

Tudo começou quando uma menina de 9 anos, chamada Ann, a filha mais nova de um casal pobre e mentalmente deficiente (Harold e Idella Everett), começou a dizer que tinha sido abusada por dois miúdos na escola. O Serviço de Proteção das Crianças tomou conta do assunto, e começou por verificar que não havia sinais físicos de abuso. Em vez de arquivar o caso, dirigiu as suspeitas sobre os pais da criança, que poderiam ter abusado dela em casa. Ann negou que tal tivesse acontecido, e foi entregue aos pais, com a condição de ser levada a sessões de terapia do Serviço, acompanhada das duas irmãs e de dois irmãos gêmeos.

 

Depois de um ano de terapia, as crianças estavam já prontas a "revelar" que tinham sido maltratadas pelos pais. As duas filhas mais velhas, Melinda, de 10 anos, e Donna, de 18, foram entregues aos cuidados do detetive Robert Perez, da polícia local, em cuja casa passaram a viver. E quem era ele?

Robert Perez não foi um adolescente modelar; tinha até cadastro por roubo. Aos 18 anos, em 1971, afastou-se da casa paterna, sendo recebido por um jovem casal de Wenatchee, Lenny e Rebecca Williams, que o tratou como a um filho - até que Lenny Williams o expulsou de casa ao descobrir que ele tinha relações ilícitas com a mulher. Cinco anos mais tarde, quando o casal Williams se divorciou, Perez reapareceu e casou com Rebecca algumas semanas depois. Aproveitou para convencer os meninos Williams a acompanhá-lo numa viagem ao Texas, onde os adotou, impedindo assim que o pai os recebesse e dando provas de um caráter menos que recomendável.

Apesar disso, fez-se policial, em 1983, mas a sua carreira não foi das melhores. Um supervisor repreendeu-o pela tendência que mostrava para controlar e manipular outras pessoas. Em 1989 foi assinalado como problemático: "Gosta de confrontação e gosta de ter poder sobre as pessoas [...] Tem a ideia de que as pessoas fazem sempre o que ele manda" [21]. Foi este policial que, tendo feito um curso apropriado, chamou a si a investigação de supostos abusos sexuais de crianças. E a sua carreira passou de medíocre a excepcional em pouco tempo.

Logo que o detetive Perez conquistou a confiança das meninas, levou-as a passear no carro pelas ruas da cidade, para que elas apontassem os lugares onde teriam sido abusadas e as pessoas que abusaram delas. Depois de alguma persuasão, as meninas cederam. Por coincidência, muitas das pessoas que apontaram frequentavam a Casa de Oração Pentecostal de Wenatchee Leste.

O ambicioso detetive Perez sabia o valor da publicidade. Apoiou-se na campanha antipedofílica para se autopromover como justiceiro das criancinhas, chegando a organizar um grupo de apoiadores a que chamou Brigada dos Laços de Púrpura, por usarem laços dessa cor nos casacos. Além disso, obteve o apoio de alguns políticos e da indústria de proteção de menores e, com base em alegações fantasiosas das meninas, iniciou uma "caça às bruxas", que levantou uma onda de histeria na população da cidade.

Os suspeitos eram geralmente pobres, tímidos e socialmente reservados; vulneráveis, portanto, às técnicas agressivas de interrogatório a que foram submetidos. E as "confissões" não se fizeram esperar, porque os arguidos, confrontados com polícias que se recusavam a aceitar explicações que não lhes agradassem, depressa compreenderam que só se acusando a si próprios e a outras pessoas podiam ter algum descanso. As confissões eram por vezes estranhas: rituais macabros na igreja pentecostal, em que as crianças eram violadas sobre o altar por homens vestidos de preto e com óculos escuros, enquanto se ouviam gritos entusiásticos de "Aleluia!"; orgias sexuais participadas por toda a congregação...

As técnicas que a Polícia usou podem deduzir-se das seguintes declarações de Sarah Marie Doggett, de 16 anos:

Ele [o polícia] sabia que o meu pai me tinha violado e porque é que eu não o admitia [...] Não, o meu pai nunca me violou, e eu disse que era virgem. Que me levasse ao médico, que me fizessem um exame físico. Isso seria prova. E ele disse, 'não precisamos fazer isso. Já sabemos a verdade' [...] Disseram que eu estava a ameaçar suicidar-me; e assim trouxeram uma maca, e imobilizaram-me, e ataram-me à maca, e puseram-me numa ambulância e levaram-me para Pine Crest, um hospital psiquiátrico em Idaho [22].

Sarah, a suposta vítima, ficou internada cinco semanas sob detenção. A intenção dos Serviços de Proteção das Crianças era certamente levá-la a "confessar", através de uma terapia adequada. Mas a porta-voz do Departamento de Serviços Sociais e de Saúde do Estado de Washington comentou, a propósito deste episódio: "Não me surpreenderia que algumas destas crianças precisassem de tratamento psiquiátrico, considerando a gravidade do abuso a que foram sujeitas". É evidente que uma pobre desculpa sempre era melhor do que admitir a verdade.

Os pais de Sarah, Mark e Carol Doggett, tinham sido acusados de molestar sexualmente os cinco filhos, o mais novo com apenas 8 anos. Os Serviços de Proteção das Crianças puseram de lado todas as considerações deontológicas para "persuadirem" as crianças a acusar os pais, com resultados evidentes: os Doggetts foram condenados a 10 anos e 10 meses de prisão cada um. Só mais de três anos depois se conseguiu a anulação das sentenças.

A imprensa, citando fontes da polícia, começou a falar numa "rede de pedofilia" a que chamavam "O Círculo", com umas duas dúzias de membros, que teriam abusado de cerca de 50 crianças. À medida que a "caça às bruxas" progredia, "O Círculo" passou a ter mais de uma centena de membros, que seriam alegadamente responsáveis por milhares de abusos.

De 1992 a 1995 foram presos 43 adultos, que foram acusados de 29.726 casos de abuso sexual de dúzias de crianças. 18 deles, levados a tribunal onde, por serem pobres, foram defendidos por advogados oficiosos, foram condenados. Outros tiveram mais sorte.

O pastor pentecostal Robert Roberson, de 50 anos, foi preso em abril de 1995, cinco dias depois de ter condenado a caça às bruxas num sermão, e acusado de quatro instâncias de violação e seis de abuso sexual de cinco crianças de 4 a 15 anos; a sua mulher Connie, de 45 anos, foi igualmente detida e acusada de duas instâncias de violação e cinco de abuso sexual de quatro crianças. Conseguiram um advogado de qualidade, Robert Van Siclen, que lhes alcançou a absolvição em 11 de Dezembro; mas não os pôde livrar de 135 dias de prisão e de enormes sofrimentos morais. Quanto às crianças supostamente abusadas, várias dezenas foram retiradas do seio das suas famílias; muitas foram enviadas para lares, e outras foram destinadas a adoção.

Houve quem denunciasse a caça ao pedófilo. Juana Vasquez, supervisora da assistência às crianças, exprimiu o seu cpticismo a respeito da investigação do detetive Perez; foi suspensa do seu cargo e mais tarde despedida [23]. O assistente social Paul Glassen discordou dos métodos do Serviço de Proteção das Crianças; foi acusado de interferir com as testemunhas e de obstrução da justiça, foi investigado pela polícia como suspeito de abuso sexual de menores, e viu-se obrigado a exilar-se no Canadá, com a sua família, para escapar à prisão preventiva.

Coisa semelhante aconteceu ao Delegado do Condado de Chelan, Earl Marcellus, quando revelou que uma das meninas ao cuidado de Perez lhe tinha confessado que as acusações que ela fizera eram inventadas. Um grupo de cidadãos tentou organizar-se para defender os inocentes, sob a orientação de Mario e Connie Fry; as suas casas foram vigiadas pela polícia, que tomou abertamente nota das matrículas dos seus carros; receberam cartas anônimas, ameaçando-os; desconhecidos lhes apedrejaram as janelas e atiraram ovos contra as paredes das casas; e, num caso isolado, um vidro de automóvel foi estilhaçado por um disparo de caçadeira.

Em 1995 a advogada oficiosa de defesa Kathryn Lyon, que se dedicou a estudar a fundo o caso, publicou The Wenatchee Report, em que denunciou inúmeros casos de abusos... mas do detective Robert Perez, que usou métodos ilegais de interrogatório e passou por cima de várias disposições processuais, e do Serviço de Proteção das Crianças local, que, segundo comentou mais tarde o funcionário do Departamento do Tesouro (e depois jornalista) Paul Craig Roberts, foi encorajado a encontrar o maior número possível de suspeitos de pedofilia pela necessidade que tinha de receber os subsídios federais que a Lei Mondale, de 1974, atribuía a campanhas semelhantes.

Para os funcionários do Serviço, a legislação vigente dava-lhes plenos poderes para "proteger as crianças", mesmo que fosse à custa dos direitos dos acusados e até das próprias crianças, que estavam supostamente a proteger. Num seu livro posterior, Kathryn Lyon descreve o que encontrou em documentos oficiais:

As crianças que não colaboravam com o Serviço eram ameaçadas com prisão; eram retiradas da escola, dos seus bairros e afastadas das igrejas e dos seus familiares; eram abusivamente medicadas com calmantes; eram forçadas a sofrer terapia de "memória recuperada"; eram internadas por períodos longos em instituições psiquiátricas, onde eram tratadas dia e noite por profissionais que acreditavam incondicionalmente que elas eram vítimas [24].

Não admira que as “confissões” tivessem proliferado.

A primeira reação ao Wenatchee Report veio das autoridades. Kathryn Lyon foi ameaçada de prisão, em 1996, se não revelasse as fontes de informação que usara - e isto apesar de, em junho do mesmo ano, a menina cuja queixa iniciara todo o processo ter negado que alguma vez tivesse sido abusada ou tivesse visto alguém ser abusado, e ter atribuído as suas "confissões" anteriores a pressões que Robert Perez exercera sobre ela. Por fim, triunfou a razão. Seguiram-se revisões dos processos, que se iniciaram em 1998 e terminaram, na maioria dos casos, pela absolvição dos condenados, e num ou noutro caso pela substituição da acusação de abuso sexual de menores por outra menos grave, como maus tratos físicos.

Finalmente, um júri do Condado de Spokane declarou, em 2001, que a cidade de Wenatchee e o Condado de Douglas, a que pertence, eram culpados de negligência em permitirem que uma investigação policial ficasse fora de controlo. E atribuiu 3 milhões de dólares de indenização a um casal que fora condenado injustamente. O casal Everett, que esteve na base da caça às bruxas e tinha ficado sem as cinco filhas, acabou por ser autorizado a receber quatro delas de volta; a quinta tinha sido adotada por uma família no Estado de Wisconsin e já tinha 19 anos, sendo, portanto, livre de decidir se queria ou não voltar para os pais.

Uma arguida, Doris Green, condenada a 23 anos por causa de uma "confissão" que a obrigaram a assinar e libertada em 17 de novembro de 1999, depois de quatro anos e meio de cadeia, processou, em março de 2001 a cidade de Wenatchee, Robert Perez (já aposentado da polícia), a sua mulher Luci Perez, o chefe da polícia do condado, Ken Badgley, e a equipe de acusadores do processo. Acusado de instabilidade mental, Perez alegou não poder comparecer às audiências por sofrer de stress pós-traumático e os interrogatórios fazerem-lhe reviver situações traumatizantes. Apesar de toda esta obstrução, Doris Green recebeu 177.500 dólares, em agosto de 2003, a que se acrescentou outra indenização de valor não divulgado.

A caça ao pedófilo tinha sofrido reveses, mas os seus executores podiam estar satisfeitos. Tinham cumprido grande parte da sua missão - e nem um chegou a ser processado, apesar de terem violado a lei inúmeras vezes. Se não se via um pedófilo, pensavam, era porque tinha fugido. Restavam apenas dezenas de famílias destroçadas, e dúzias de crianças abusadas pelas pessoas que supostamente as deviam defender, e que as traumatizaram brutalmente "para seu bem". Isto tem sido gradualmente reconhecido pelas próprias "vítimas": até novembro de 2003, pelo menos 14 crianças que foram coagidas a acusar inocentes processaram a cidade de Wenatchee.

[22] Transcrição de uma entrevista transmitida pela CNN no noticiário da manhã de 20.10.1995.

[23] Processou as autoridades e recebeu 1.570.000 dólares de indemnização em 1998, alguns meses antes do seu falecimento em 29.4.1999, com 48 anos.

[24] LYON, Kathryn - Witch hunt: A true story of social hysteria and abused justice. New York,NY, Avon Books, 1998.

Fonte:


 

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Casos de Falsas Acusações de Abuso Sexual, parte IV "Bakersfield"

Bakersfield



Um caso tristemente famoso passou-se em Bakersfield, no Condado de Kern, Califórnia, onde começou em 24 de setembro de 1984 o julgamento de John Stoll, carpinteiro de profissão, e três outras pessoas, acusadas de formarem uma "rede de pedofilia". Uma queixa sem fundamento da sua ex-mulher, relativa a um filho do casal, de 5 anos, foi transformada pela polícia num caso monstruoso de "rede de pedofilia", com vários arguidos, acusados de fazerem sexo oral e anal com inúmeras vítimas, a mais velha das quais tinha 9 anos.
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Casos de Falsas Acusações de Abuso Sexual, parte III "Little Rascals"



Little Rascals

 

 

A vila de Edenton, no Estado da Carolina do Norte, foi fundada em fins do Século XVII e é ainda hoje uma localidade pacata, com cerca de 6.000 habitantes, onde quase toda a gente se conhece. Foi ali que, em 1988, Bob e Elizabeth (Betsy) Kelly compraram uma antiga fábrica, renovaram-na e instalaram lá uma creche, a que chamaram Little Rascals (Pequenos Marotos). Graças aos seus esforços, a creche tornou-se em pouco tempo a mais prestigiosa da vila, para onde as famílias mais conceituadas mandavam os seus filhos. Mas naquele Inverno, uma mãe neurótica, Audrey Stever, contou a Brenda Toppin, investigadora da polícia local, que o filho dela, de três anos, se masturbava e lhe tinha dito que tinha "brincado de médicos" com um rapaz mais velho da vizinhança.

Bem, Brenda Toppin tinha acabado de frequentar um seminário sobre abuso sexual de menores e, inspirada pelo que aprendera, instruiu a mãe sobre como havia de interrogar o filho. Este não tardou a dizer que "o Sr. Bob" tinha "brincado de médico" com ele e com outros meninos. Toppin abriu imediatamente uma investigação e, em Janeiro de 1989, Bob Kelly foi informado de que tinha havido alegações de abuso sexual contra ele.

A sua reação foi de conversar pessoalmente com todos os pais das crianças que frequentavam a creche, a quem contou o que se passava - e a primeira reação dos pais foi de espanto e de solidariedade para com ele.

Mas esta atitude não servia à polícia e tinha que mudar. E assim foi. À medida que a investigação continuava, alguns pais começaram a duvidar dos Kellys e acabaram por se convencer de que os filhos tinham realmente sido abusados. Estes, por conselho da polícia e do Ministério Público, começaram a ser "trabalhados" por psicólogos e terapeutas.

Alarmado, Bob Kelly contratou um advogado de grande prestígio na comunidade, Chris Bean, de quem era amigo e cujo filho frequentava a creche. A primeira reação dos vizinhos foi deixarem de falar com o advogado e a esposa dele. Até que, em fins de abril de 1989, pouco antes da primeira sessão de instrução do processo, o Procurador do Ministério Público, H. P. Williams, confidenciou a Bean que alguns meninos tinham dito que o seu filho estava entre as crianças abusadas. O pequeno negou tudo, mas Bean desistiu da defesa e passou para o lado da acusação, o que causou grande impacto entre as famílias da vila: se o advogado procedeu assim, diziam, é porque havia certamente algo de errado na creche.

Bob Kelly foi preso nesta altura, e a creche foi encerrada no dia 28 de abril. Em Maio, o número de crianças sujeitas à terapia cresceu assustadoramente: cada uma nomeava outras, que por sua vez nomeavam outras, e assim por diante. 90 crianças, praticamente todas as que frequentavam a creche, foram submetidas à terapia, e foi perante os terapeutas que fizeram as primeiras alegações de abuso - o que sempre tinham negado quando os pais e a polícia os interrogaram.

Começaram as detenções: Betsy Kelly em setembro, seguida de mais cinco pessoas que trabalhavam na creche. Os detidos foram acusados no verão de 1990 de 429 instâncias de abuso sexual de 29 crianças, que incluíam sodomia, violação, urinar e defecar em frente das crianças, fazer sexo em frente das crianças e obrigá-las a imitá-los, e assim por diante. Os abusos teriam sido fotografados por Darlene Harris, ex-mulher de um polícial, que nem sequer estava ligada à creche, mas que foi "identificada" por uma fotografia mostrada às crianças.

Por esta altura, havia um ambiente de terror em Edenton. Qualquer pessoa que tivesse trabalhado na creche era suspeita; houve pais que exigiram à polícia que fossem todas presas. As crianças tinham nomeado vinte pessoas, e só sete foram detidas; não seria isto indicação de uma tentativa de encobrimento por parte das autoridades?

Betty Ann Phillips, cujo filho, segundo a terapeuta que o atendera, teria sido abusado, começou a ter sérias dúvidas sobre a veracidade do que a criança estava a ser obrigada a dizer; e quando os Kellys foram formalmente acusados e ela soube que não tinha sido consultada, embora uma das acusações se referisse ao seu filho, foi protestar junto do Procurador Williams, que a avisou, com toda calma, que se calasse, porque muitas das crianças teriam confessado que Betty Ann costumava ficar "de sentinela" enquanto os Kellys abusavam do filho dela.

O Tribunal decidiu julgar os arguidos separadamente, começando por Bob Kelly. E ficou mais que evidente que não havia provas contra eles. Ninguém tinha visto qualquer abuso; nenhuma das crianças se tinha queixado de algum abuso antes de serem apertadas por polícias e terapeutas; não havia provas materiais de abuso. Nem sequer havia gravações ou notas manuscritas dos interrogatórios; Brenda Toppin confessou que tinha destruído ou perdido tudo.

Os terapeutas não tinham mais do que apontamentos sumários das entrevistas com as crianças, escritos mais tarde.

Os pais das alegadas vítimas declararam que estas tinham comportamentos que indicavam terem sido abusadas: enurese, pesadelos, medo de ir sozinhas ao banheiro e assim por diante. Mas estes supostos indicadores de abuso só apareceram depois dos interrogatórios e não enquanto as crianças frequentavam a creche.

E as crianças? Apesar de terem sido cuidadosamente ensaiadas pelo Ministério Público, que chegou a organizar um "teatrinho" para as habituar ao ambiente do Tribunal, e de terem sido mandadas jurar sobre a Bíblia dizer "a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade", apesar da sua tenra idade, contaram um sem-número de disparates: que os Kellys as tinham levado de balão ao espaço exterior, onde matavam bebês, que os levavam a passear de barco para os atirarem pela borda fora, com tubarões amestrados na água, que tinham um aquário gigante cheio de tubarões, que penduraram um bebê de uma árvore pelos pés, antes de lhe deitarem fogo, e que matavam leões e os transformavam em tapetes.

Mas isto não chegou para convencer o júri de que o processo era um absurdo total; depois de terem deliberado durante três meses, fazendo do processo o mais caro da história da Carolina do Norte, consideraram Bob Kelly culpado de 99 das 100 instâncias de abuso sexual. O pobre homem, apesar de inocente, foi condenado, 12 vezes consecutivas, a prisão perpétua.

Entretanto, vários membros do júri, entrevistados para um programa de televisão, admitiram pressões exteriores e diversas irregularidades. Com base nestas declarações, os advogados de Bob Kelly pediram em novembro de 1993 a anulação do julgamento, o que lhes foi recusado.

Os outros julgamentos foram semelhantes, mas um merece ser comentado, para demonstrar como até o Ministério Público estava consciente da fragilidade do caso: ofereceu a Kathryn Dawn Wilson uma sentença de um ano ou dois de prisão se confessasse várias das acusações; tendo rejeitado a oferta, assim como outra de ser apenas condenada a meses de prisão, por ser inocente, foi condenada a prisão perpétua.

Depois de dois anos de cadeia, Betsy Kelly estava prestes a ceder, e ainda por cima tinha uma filha pequena para sustentar. Aceitou não contestar a acusação (embora não se considerasse culpada), e foi libertada um ano e pouco depois. Tornou então a ver a filha, que já tinha 10 anos; mas, seis meses depois, a sentença de Bob Kelly foi anulada por irregularidades processuais e ele voltou para casa - para tratar do divórcio, que foi consumado em outubro de 1995.

Por esta altura, três dos detidos foram libertados por anulação das acusações, um quarto aceitou não contestar a acusação e foi libertado, e a sentença de Kathryn Dawn Wilson foi anulada. Mas não foi o fim do pesadelo para Bob Kelly: embora a sua sentença tivesse sido definitivamente anulada em maio de 1997, o Ministério Público anunciou que iria processá-lo por alegações de abuso que datavam de 1987 e não estavam relacionadas com as anteriores. Depois de uma intensa e dispendiosíssima batalha legal, Kelly foi deixado em paz em setembro de 1999 - dez anos e oito meses depois da primeira acusação.

E nunca recebeu as desculpas do sistema judicial.

 

Fonte:


 

 




 

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Casos de Falsas Acusações de Abuso Sexual parte II "Fells Acres"



Fells Acres

 

 

Em 1966, Violet Rose Amirault, de 42 anos, recentemente divorciada e com dois filhos, resolveu abrir uma creche na casa dela, em Malden, Massachusetts, para sustentar a família. Foi o começo de um empreendimento de futuro, que tomou o nome de Escola de Dia de Fells Acres e veio a ocupar toda a casa, mais uma extensão, tendo espaço para mais de 70 crianças de cada vez.

Milhares de crianças passaram pela escola em 18 anos de serviço, durante os quais não houve uma única queixa nem suspeita de comportamento impróprio. Violet Amirault eventualmente deixou de dar aulas, ficando apenas como diretora da escola; entre o pessoal docente contavam-se a sua filha Cheryl e a nora Patti.

Em abril de 1984, aconteceu que um menino de quatro anos, recebido havia pouco tempo, urinou durante uma sesta. A pedido da educadora, Gerald Amirault, de 31 anos, filho de Violet e funcionário da escola, tirou-lhe as roupas molhadas, que meteu num saco de plástico para enviar para casa do menino, e vestiu-lhe umas roupas que a escola tinha para incidentes como esse. Até aqui, não havia nada a assinalar; mas o menino tinha problemas de comportamento, como enurese e hostilidade, os pais estavam no meio de um divórcio litigioso, e o incidente da escola, que não tinha importância nenhuma, foi recordado quando, no verão daquele ano, o menino foi encontrado em brincadeiras sexuais com um primo.

Depois de ser interrogado pelo tio, pela mãe e por um terapeuta do hospital pediátrico local, o menino disse que Gerald lhe tinha tirado os calções. Interrogado mais vezes, acabou por "confessar" que Gerald todos os dias lhe punha uma venda nos olhos, levava-o para um "quarto secreto", deitava-o numa cama que lá havia e praticava diversos atos sexuais com ele. A mãe perdeu a cabeça e denunciou Gerald em 2 de setembro. Três dias mais tarde, a polícia foi à escola prendê-lo, com base numa acusação não corroborada, e ordenou o encerramento imediato desta.

Os pais de todos os alunos foram convocados pela polícia e pelos assistentes sociais para um encontro na praça local, que teve lugar em 12 de setembro. Ali, os 65 pais presentes foram informados de que, se algum dos seus filhos tinha enurese, pesadelos ou perda de apetite, era por ter sido abusado sexualmente; e foi-lhes pedido que interrogassem os filhos sobre se tinham ouvido falar de "quartos secretos" ou "mágicos", ou se tinham visto palhaços na escola. "Vão para casa, interroguem os filhos, e não aceitem uma negativa como resposta", disseram-lhes os polícias, acrescentando: "Deus permita que nenhum dos senhores pareça defender os acusados. Os seus filhos nunca lhes perdoariam".

As pobres crianças foram interrogadas repetidamente, pelos pais, pelos assistentes sociais e terapeutas, pela polícia e por uma enfermeira pediátrica chamada Susan Kelley, cujo papel nos interrogatórios foi devastador, e que chegou ao ponto de dizer aos pais de uma criança que negava tudo que esta tinha sido abusada, mas, por bloqueio psicológico, não conseguia admiti-lo.

O Inspetor John Rivers, da polícia local, exasperado com o fato de nenhuma criança ter revelado espontaneamente um único caso de abuso, declarou que interrogar os meninos era "como tirar sangue de uma pedra". Depois de muito trabalho, a polícia conseguiu de 41 crianças acusações de abuso sexual e pornografia infantil contra Violet Amirault, Gerald Amirault e Cheryl Amirault LeFave, as únicas que o Ministério Público reteve; acusações contra três outros professores, dois indivíduos imaginários chamados "Sr. Gatt" e "Al", e a própria enfermeira Susan Kelley foram arquivadas por falta de provas [9].

O Delegado do Ministério Público estadual, L. Scott Harshbarger, era um jovem ambicioso e viu que este processo podia ser o primeiro passo numa brilhante carreira política, pelo que lhe dedicou o seu maior carinho. O caso de Fells Acres, como ficou conhecido, foi a julgamento. Crianças de 3 e 4 anos papaguearam com maior ou menor fidelidade o que lhes tinham ensinado. Não houve provas materiais de qualquer abuso. Não houve uma única testemunha que afirmasse ter visto um abuso, ou até mesmo ter sabido dele, e isto apesar de a escola ter as portas abertas de dia e ser visitada por pais e familiares das crianças, além de fornecedores, a qualquer hora e sem aviso. Só havia provas testemunhais de crianças, e era apenas na sua credibilidade e fiabilidade que assentava todo o processo.

A credibilidade destas crianças pode avaliar-se pelo seguinte: Durante os interrogatórios da polícia, disseram terem sido violadas com facas de cozinha e paus (que, milagrosamente, não deixaram quaisquer vestígios); ter sido obrigadas a beber urina e a engolir rãs vivas; terem sido obrigadas a ver os Amiraults matar pássaros azuis; ter sido perseguidas por robôs com luzes que piscavam; e ter sido violadas por lagostas gigantes. Segundo um menino, testemunha-chave do processo, Violet Amirault espetou-lhe um pau no reto, estando ele de pé, e depois violou-o com uma varinha mágica; e Cheryl atou-o a uma árvore, estando ele nu e na presença de todos os professores e alunos, obrigando-o em seguida a vê-la cortar uma perna de um esquilo.

Gerald Amirault foi acusado de oito violações de crianças e sete abusos sexuais de menores, cometidos no tal "quarto mágico" (mais tarde identificado como a casa de banho do andar de cima da escola) quando se encontrava vestido de palhaço e dava pelo nome de Tooky, alcunha que realmente tinha quando era menino. Foi também acusado de ter fotografado e filmado os alegados abusos, embora nunca se tivessem encontrado vestígios de tais fotos ou filmes. O próprio tribunal reconheceu a fragilidade das acusações:

Vinte e dois professores, auxiliares e outros empregados da escola testemunharam que tinham acesso livre e sem prévio aviso a todas as partes da escola a qualquer hora. Nenhum sabia de quaisquer indícios de abuso, nenhum tinha ouvido falar de um "quarto mágico" onde a maior parte dos abusos tinha alegadamente ocorrido, e nenhum tinha alguma vez visto Gerald vestido de palhaço, ou até mesmo uma roupa de palhaço dentro da escola. Todos declararam que as crianças gostavam muito de Gerald, antes das alegações de abuso [10].

Apesar de ser claramente inocente, Gerald Amirault foi condenado em 1986 a 30 e 40 anos de prisão. Violet Amirault foi acusada de duas violações e três abusos, Cheryl de três violações e quatro abusos, sendo ambas condenadas em 1987 a 8 e 20 anos de prisão. Eram ambas inocentes. Mas o Delegado do Ministério Público, Lawrence Hardoon, ao ouvir a sentença condenatória, dirigiu-se às pobres mulheres, dizendo-lhes que a partir daquele momento era "vergonhoso" elas continuarem a insistir na sua inocência.

As primeiras dúvidas sobre o processo surgiram em 1991, e vários especialistas demonstraram como o Ministério Público tinha construído um caso sobre abusos inexistentes. Mesmo assim, os tribunais de Massachusetts recusaram-se durante anos a considerar uma revisão do processo, e quando cederam, foi com uma má vontade manifesta.

Violet e Cheryl pediram várias vezes liberdade condicional, que lhes foi sempre recusada; a esta última, foi-lhe dito que não sairia enquanto não confessasse a sua culpabilidade. Mas em 1995, o Supremo Tribunal do Estado anulou por fim as condenações de Violet e Cheryl, ordenou a libertação delas e concedeu-lhes o direito de novo julgamento; o Ministério Público recorreu e as sentenças foram novamente impostas, porque, segundo os doutos magistrados: O simples fato de os processos, se fossem novamente julgados, poderem ter outro fim, ou o fato de ainda haver alguma dúvida sobre as condenações originais, não pode constituir uma razão suficiente para reabrir um caso que a sociedade tem o direito de considerar encerrado.

Violet Amirault, muito doente, foi libertada sob fiança e morreu de um cancro em setembro de 1997, com 74 anos. Cheryl foi autorizada a visitá-la no hospital antes que morresse, mas negaram-lhe a autorização para ir ao funeral da mãe.

Em 21 de outubro de 1999, os advogados de Cheryl conseguiram a sua libertação, mas sob condições severas: Cheryl estava proibida de ter contatos com as alegadas vítimas ou suas famílias, de arranjar um emprego que a pusesse em contacto com menores de 16 anos, de se aproximar de um menor de 16 anos sem estar acompanhada, e de receber dinheiro de publicações que se referissem ao seu processo. Nos dez anos seguintes, ficaria sob supervisão oficial e ficaria proibida de falar publicamente do seu processo. Além disso, desistiria para sempre de ilibar o seu nome por via legal. Qualquer violação destas condições implicaria a sua prisão imediata. O fato de lhe estarem negado os seus direitos constitucionais era irrelevante.

Gerald Amirault continuou preso. Em 6 de Julho de 2001, a Comissão de Liberdade Condicional de Massachusetts votou a sua libertação por unanimidade, mas a Governadora do Estado, Jane Swift, arrastou a sua decisão até 20 de Fevereiro seguinte, para não prejudicar a sua campanha eleitoral e, por fim, recusou-se a aprovar a liberdade condicional, por não lhe parecer "aconselhável" [11]. Depois de vários recursos legais, a Comissão reconfirmou a libertação condicional de Gerald Amirault em 16 de outubro de 2003, numa decisão que não carecia de aprovação do novo Governador, Mitt Romney – e, ainda bem, porque se dizia que o Governador era homofóbico. Mas, por razões burocráticas, a libertação de Gerald foi adiada para 30 de abril de 2004. O sistema judicial, contudo, teve a última palavra: em 25 de Março de 2005, a Repartição de Registro de Delinquentes Sexuais classificou-o como delinquente de nível 3, ou seja, perigoso, com alto risco de reincidência, o que praticamente lhe anulava as hipóteses de arranjar emprego. Ficou proibido para toda a vida de ter contato com menores de 18 anos. E os jornais locais foram obrigados, por lei, a publicar um aviso à comunidade, dizendo que Gerald estava em liberdade e onde residia [12].

Os Delegados do Ministério Público que foram responsáveis pela condenação de pessoas inocentes prosperaram na vida. Lawrence Hardoon veio a ser sócio de uma firma de advogados especializada em exigir indenizações de pessoas condenadas por abusos sexuais, o que lhe garantiu uma existência economicamente folgada. L. Scott Harshbarger teve uma carreira política distinta [13], além de ser Professor de Ética Legal (!) na Faculdade de Direito da Boston University, e Professor visitante da Harvard Law School e da Northeastern University.

O crime às vezes compensa - e dizemos “crime” com razão: quando era mais que evidente que os Amiraults eram inocentes, Harshbarger declarou ao Boston Globe, em 20 de Abril de 1997, que os que pretendiam provar a sua inocência estavam a "negar absolutamente que existe abuso de crianças". Seria esta a atitude que se esperava de um cristão devoto e membro do Union Theological Seminary de Nova York, como Harshbarger era?

E os meninos, agora adultos? O escândalo de Fells Acres foi um grande negócio, cujos pormenores só foram revelados em 1997 por um jornalista de investigação [14]. O menino que deu origem ao escândalo recebeu 75.000 dólares após a condenação dos Amiraults, mais 35.000 quando fez 18 anos e 45.000 aos 21 anos, e receberá 65.000 dólares aos 25 anos e 110.000 dólares (!) aos 30 anos. Outros receberam 50.000 dólares quando fizeram 18 anos. Uma menina que só esteve dois meses na creche e nem sequer chegou a testemunhar recebeu 70.000 dólares após as condenações, seguidos de 35.000 dólares aos 18, 21 e 25 anos, e a partir de 2011 ficará a receber uma pensão mensal de 378 dólares até ao fim da vida; os pais receberam 70.000 dólares de recompensa. Outra menina, que também não testemunhou, recebeu 85.000 dólares e, quando perfizer 25 anos, passará a receber 2.385 dólares mensais por toda a vida. Vale ou não vale a pena fazer condenar inocentes?

[9] Mais tarde, Sena Garvin, da University of Texas at El Paso, usou as técnicas de interrogatório aplicadas ao caso de Fells Acres num projecto de investigação, obtendo acusações falsas de 75% das crianças de 3 anos e 50% das crianças de 4 a 6 anos incluídas no seu trabalho. E isto fora de um ambiente de coacção policial.

[10] Da transcrição do texto oficial da revisão do julgamento dos Amiraults. Cf. ainda www.stopbadtherapy.com/letters/romney.html.

[11] A justiça divina é superior à dos homens; a eleição teve lugar em 19.3.2002 e Jane Swift perdeu.

[12] É justo acrescentar que os vizinhos de Gerald, indignados por tais decisões, escreveram às autoridades em protesto, apoiando-o. E um anónimo fez-lhe chegar às mãos dinheiro suficiente para ele poder custear os estudos universitários das filhas.

[13] Foi membro da Comissão de Ética do Estado de Massachusetts, foi eleito Procurador Geral do Estado em 11.1990 (reeleito em 11.1994), e foi candidato a Governador do Estado em 11.1998 pelo Partido Democrático, perdendo a eleição, embora obtivesse 48% dos votos.

[14] Tom Mashberg, num artigo de 22.4.1997 no Boston Herald.

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Caos de Falsas Acusações de Abuso Sexual, Parte I " Caso McMartin"



McMartin

 

 

O primeiro grande escândalo de pedofilia nos Estados Unidos começou em Agosto de 1983, na cidade californiana de Manhattan Beach, quando uma mãe alcoólica e psicótica de Los Angeles, Judy Johnson, reparou que o seu filho, de dois anos e meio, voltara da creche McMartin com o traseiro avermelhado. Perguntou ao menino o que tinha acontecido, e ele aparentemente falou dum funcionário da creche, chamado Ray, mas sem conseguir explicar o que ele teria feito. Foi o suficiente para a mãe chamar a Polícia, que embarcou alegremente numa ofensiva antipedofílica até então sem precedentes.

Judy Johnson não ficou por ali; começou a ampliar as alegações, até acusar Raymond Buckey (o tal Ray), familiar dos proprietários da creche, de ter obrigado o seu menino a andar nu a cavalo, de ter abusado dele enquanto estava vestido de polícia, ou de bombeiro, ou de palhaço, ou de Pai Natal, e até de ter posto agrafes nas orelhas e na língua do menino e lhe ter espetado os olhos com uma tesoura, embora não houvesse indícios materiais de coisa nenhuma. Não ficou por aqui; disse que Ray tinha sodomizado o seu menino enquanto lhe metia a cabeça numa retrete, e acusou três modelos dum clube de ginástica e um fuzileiro de terem violado a criança. Como se isso não chegasse, acusou a mãe do infeliz Ray, Peggy McMartin Buckey, de ter assassinado um bebé para o filho lhe beber o sangue. Mais tarde, já depois de lhe ter sido diagnosticada uma psicose, Judy Johnson, cuja fixação anal era cada vez mais evidente, acrescentou que o seu cão tinha sido sodomizado por um desconhecido que lhe entrara em casa, e que o seu próprio marido tinha abusado sexualmente do menino, que teria também sido sodomizado por um leão!

Numa situação normal, a Polícia teria pensado duas vezes antes de dar crédito a uma história tão inverossímil; mas uma alegação de pedofilia tem o condão de paralisar o raciocínio dos servidores da lei. Assim, a Polícia enviou cerca de duzentas cartas às famílias das crianças matriculadas na creche, perguntando-lhes se tinham notado alguns sinais de abuso - e pedindo-lhes expressamente que encontrassem indícios que comprometessem Ray Buckey:

Por favor, interrogue o seu filho, para ver se ele ou ela observou algum crime ou se foi vítima. A nossa investigação indica que os atos possíveis incluem: sexo oral, manipulação dos órgãos genitais, nádegas ou peito, e sodomia, possivelmente cometida sob o pretexto de ver a temperatura da criança [com um termômetro retal. Também é possível que tenham sido tiradas fotografias das crianças nuas. Qualquer informação do seu filho, no sentido de alguma vez ter observado Ray Buckey sair de uma sala, sozinho com uma criança, durante o período da sesta, ou se viu Ray Buckey atar uma criança, é importante.

O Ministério Público recomendou aos pais que enviassem os pequenos a uma clínica especializada, o Children's Institute International (CII), para serem submetidos a terapia. Os pais entraram em pânico e entregaram os filhos ao CII, cujos funcionários submeteram as indefesas crianças a vários interrogatórios, que incluíam o uso de bonecos anatomicamente corretos, e encorajaram-nas a contar tudo; para eles, o facto de se negar um abuso era indício seguro de que a criança tinha sido abusada. A sua obstinação foi devidamente recompensada - e de várias maneiras: o CII interrogou mais de 400 crianças, e por cada uma recebeu 455 dólares do Estado.

As crianças não tardaram em contar histórias incríveis. Os educadores, por vezes vestidos de bombeiros, abusavam delas de várias maneiras, incluindo à beira de uma via rápida (onde passavam 17.000 veículos por dia) e a bordo de um balão; mutilavam e sacrificavam animais à sua frente; usavam-nas em rituais satânicos praticados em túneis escavados no subsolo da creche; matavam leões; tinham relações sexuais com uma girafa e com um elefante; voavam pela janela; apareciam diabos, bruxas, fantasmas e zombis azuis a assistir aos abusos; e as crianças eram obrigadas a comer fezes com molho de chocolate e a beber sangue e urina. Estes pormenores foram escamoteados pela Polícia na montagem do processo [1], mas ficou a sugestão de que a creche era a sede de uma "rede de pornografia infantil", porque cada abuso teria sido fotografado. Segundo o Ministério Público, haveria milhões de fotos das crianças, que tinham sido difundidas por todo o mundo.

Em Março de 1984, a Polícia deteve vários membros da família Buckey, incluindo a fundadora da creche, Virginia McMartin Buckey, uma pobre mulher de 77 anos que, apesar de estar numa cadeira de rodas, teria abusado de várias crianças [2].

Fizeram-se buscas em 21 casas, sete estabelecimentos comerciais, 37 automóveis, três igrejas, dois aeroportos, uma quinta, e até num parque nacional. Examinaram-se fotos e filmes pornográficos, obtidos de várias fontes, para tentar identificar a presença de alguma criança da creche. Pediu-se a colaboração do FBI e da Interpol. A imprensa alimentou durante meses uma campanha de histeria coletiva que se refletiu grandemente nos lucros das vendas dos jornais. Até pessoas responsáveis esqueceram a sua dignidade profissional e o mais elementar bom senso.

O Dr. Roland C. Summit, que se considerava uma autoridade em casos de abuso sexual de crianças, chegou a louvar a imprensa: "Sem esta cobertura por parte da imprensa, ficaríamos encalhados nos nossos velhos mitos" [3] - ou seja, custaria a crer em tanto disparate. E mais: centenas de crianças teriam escapado aos abusos sexuais por causa da publicidade feita a propósito do caso McMartin [4]. Talvez a sua atitude se devesse, pelo menos em parte, a ele ter recebido um subsídio de 66.000 dólares para organizar um centro de apoio, onde os pais e familiares iriam buscar respostas para todo o tipo de perguntas: onde posso ir pedir ajuda... o miúdo do vizinho fez (ou disse)... ouvi dizer que a loja da esquina... porque é que ainda não foram presos... como é que sei se o meu filho foi molestado... [5]

Com este gênero de "apoio", a acusação podia contar com uma atitude correta dos pais das supostas "vítimas". E o Dr. Summit não foi parco em declarações públicas, para que o ímpeto da caça ao pedófilo não esmorecesse: as crianças não mentem (e era impensável pôr em causa este dogma); era preciso expandir os recursos terapêuticos para ajudar as crianças; era preciso evitar que houvesse dúvidas sobre a realidade dos abusos, porque assim as crianças, vendo que não acreditavam nelas, ficariam caladas; era preciso que todos os arguidos fossem condenados, caso contrário a sociedade deixaria de acreditar na Justiça. Argumentos que, infelizmente, já são conhecidos no nosso País.

360 crianças teriam sido abusadas, mas apenas onze apareceram em tribunal - as restantes estavam tão desacreditadas que tinham perdido a sua utilidade - e duas destas foram eliminadas da lista de testemunhas à última hora. As supostas "vítimas" foram bem preparadas por psicólogos, e repetiram as alegações em tribunal. Mas não havia quaisquer provas materiais que servissem à acusação; os "milhões" de fotos pornográficas que a Polícia afirmava terem sido tiradas nunca apareceram, nem os famosos túneis foram encontrados, apesar de se terem feito escavações por todo o lado [6]. O julgamento de Raymond e Peggy começou em Abril de 1987, e as deliberações do júri terminaram em Abril de 1989 num empate; o julgamento foi repetido no ano seguinte, com o mesmo resultado. O Ministério Público desistiu então da queixa, e o processo foi encerrado em 1990, depois de se terem gasto seis anos e quase 16 milhões de dólares para tentar provar crimes que nunca tinham acontecido. É verdade que nenhum dos arguidos foi condenado; mas os anos que passaram na cadeia, ninguém lhes recompensaram.

Os arguidos, as únicas vítimas do processo, tentaram depois refazer as suas vidas. Ray deixou a vida despreocupada que tinha levado, acabou o curso secundário e matriculou-se num curso de Direito; a sua irmã Peggy Ann conseguiu que lhe devolvessem a licença para ensinar e foi professora numa escola para crianças especiais em Anaheim, Califórnia. O episódio de histeria da creche foi o tema de um filme, Indictment: The McMartin trial ('Acusação: O julgamento de McMartin'- "O silêncio dos Culpados" na versão portuguesa, com James Wood) feito em 1995 e transmitido por vários canais de TV por cabo nos Estados Unidos.

Os verdadeiros crentes na existência de rituais satânicos, que se organizaram em grupos por toda a América - o mais importante adotou o nome de Believe the Children ('Acreditem nas Crianças') - foram confortados com as palavras do controverso Ted L. Gunderson, ex-Agente Especial do FBI e fanático da conspiração, que desempenhou um papel de certo relevo no caso McMartin:

Há fortes indícios de que membros da rede satânica estão a dirigir creches de dia. Crianças de diversos Estados, que nunca se encontraram, estão a contar às autoridades histórias semelhantes a respeito das suas experiências na creche.

A esquizofrenia de Judy Johnson piorou a olhos vistos; em certa altura chegou a barricar-se em casa com medo de estranhos que, segundo disse, andavam a segui-la. Em 1985 foi internada num manicômio, e no ano seguinte foi encontrada morta, devido a complicações renais causadas pelo alcoolismo. Não chegou a assistir às consequências das suas fantasias.

Muitas das crianças, hoje adultos, continuam a insistir na veracidade dos disparates que contaram com a ajuda dos terapeutas, assistentes sociais e polícias, que devem rever-se no que conseguiram fazer.

A creche, que já tinha sido danificada por fogo posto, foi demolida, mas o vírus de McMartin não tardou a espalhar-se pelas terras mais remotas. A Dr.ª Astrid Heppenstall Heger, vigorosa ativista da proteção de menores [7] e colaboradora do Children's Institute International (CII), deslocou-se a Christchurch (Nova Zelândia) em Novembro de 1991 para dirigir um seminário sobre abusos sexuais. 17 dias mais tarde, declarou-se na cidade um caso de histeria coletiva: dezenas de crianças que frequentavam uma creche teriam sido abusadas, num cenário copiado diretamente do caso McMartin e com pormenores inspirados no referido caso. Um funcionário da creche, Peter Ellis, foi detido em Março de 1992 e condenado a dez anos de prisão por crimes que nunca aconteceram [8]; quatro funcionárias, que tinham sido detidas por protestarem contra a investigação e foram depois acusadas de dançar nuas à roda das crianças da creche, foram absolvidas e mandadas em paz, enquanto na sala do tribunal se ouviam gritos de "Enforquem as putas!". Astrid Heger continuou a sua brilhante carreira, recebendo inúmeros títulos, prêmios e homenagens de organismos oficiais e privados, que fizeram dela talvez a defensora das crianças mais galardoada do mundo.

 

[1] Mesmo assim, os psicólogos tinham uma resposta pronta para quem duvidasse da veracidade das alegadas vítimas: tinham sofrido tanto com os abusos sexuais que construíram uma série de fantasias como estratégia de auto-defesa.

[2] Por razões de saúde, foi libertada ao fim de mais de dois anos de prisão preventiva. Quase todos os arguidos foram libertados por falta de provas após 18 meses na cadeia. Ray ficou preso mais de cinco anos.

[3] Declaração in Los Angeles Times de 11.5.1984.

[4] Artigo no Beach Reporter de 1.11.1984.

[5] Artigo no Beach Reporter de 24.6.1984.

[6] Alegações posteriores, que circularam entre os "crentes", da existência de um túnel "documentada por uma equipa de arqueólogos profissionais" eram uma fantasia completa, em que, é triste notar, colaborou ativamente o próprio Dr. Summit (SUMMIT, Roland C. - "The dark tunnels of McMartin", in The Journal of Psychohistory, Vol. 21 (1994), p. 397-416; cf. a refutação em EARL, John - "The dark truth about the 'dark tunnels of McMartin'", in Issues in Child Abuse Accusations, Vol. 7 (1995), No. 2).

[7] Fundou em 1984 o Centro da Criança Vulnerável (CVC, Center for the Vulnerable Child) na University of Southern California, onde se formou, e até ao ano 2000 já tratara mais de 19.000 vítimas de abuso físico e sexual.

[8] Peter Ellis foi libertado em 2.2000, sete anos depois da condenação, sem ter conseguido provar a sua inocência. A luta pela sua reabilitação continua ainda hoje. No início de 4.2005, Ellis teve um ataque cardíaco grave, causado pelas preocupações da sua vida, o que parece indicar que irá morrer antes de ser reabilitado.

 

 


 

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