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Casos de Falsas Acusações de Abuso Sexual parte II "Fells Acres"



Fells Acres

 

 

Em 1966, Violet Rose Amirault, de 42 anos, recentemente divorciada e com dois filhos, resolveu abrir uma creche na casa dela, em Malden, Massachusetts, para sustentar a família. Foi o começo de um empreendimento de futuro, que tomou o nome de Escola de Dia de Fells Acres e veio a ocupar toda a casa, mais uma extensão, tendo espaço para mais de 70 crianças de cada vez.

Milhares de crianças passaram pela escola em 18 anos de serviço, durante os quais não houve uma única queixa nem suspeita de comportamento impróprio. Violet Amirault eventualmente deixou de dar aulas, ficando apenas como diretora da escola; entre o pessoal docente contavam-se a sua filha Cheryl e a nora Patti.

Em abril de 1984, aconteceu que um menino de quatro anos, recebido havia pouco tempo, urinou durante uma sesta. A pedido da educadora, Gerald Amirault, de 31 anos, filho de Violet e funcionário da escola, tirou-lhe as roupas molhadas, que meteu num saco de plástico para enviar para casa do menino, e vestiu-lhe umas roupas que a escola tinha para incidentes como esse. Até aqui, não havia nada a assinalar; mas o menino tinha problemas de comportamento, como enurese e hostilidade, os pais estavam no meio de um divórcio litigioso, e o incidente da escola, que não tinha importância nenhuma, foi recordado quando, no verão daquele ano, o menino foi encontrado em brincadeiras sexuais com um primo.

Depois de ser interrogado pelo tio, pela mãe e por um terapeuta do hospital pediátrico local, o menino disse que Gerald lhe tinha tirado os calções. Interrogado mais vezes, acabou por "confessar" que Gerald todos os dias lhe punha uma venda nos olhos, levava-o para um "quarto secreto", deitava-o numa cama que lá havia e praticava diversos atos sexuais com ele. A mãe perdeu a cabeça e denunciou Gerald em 2 de setembro. Três dias mais tarde, a polícia foi à escola prendê-lo, com base numa acusação não corroborada, e ordenou o encerramento imediato desta.

Os pais de todos os alunos foram convocados pela polícia e pelos assistentes sociais para um encontro na praça local, que teve lugar em 12 de setembro. Ali, os 65 pais presentes foram informados de que, se algum dos seus filhos tinha enurese, pesadelos ou perda de apetite, era por ter sido abusado sexualmente; e foi-lhes pedido que interrogassem os filhos sobre se tinham ouvido falar de "quartos secretos" ou "mágicos", ou se tinham visto palhaços na escola. "Vão para casa, interroguem os filhos, e não aceitem uma negativa como resposta", disseram-lhes os polícias, acrescentando: "Deus permita que nenhum dos senhores pareça defender os acusados. Os seus filhos nunca lhes perdoariam".

As pobres crianças foram interrogadas repetidamente, pelos pais, pelos assistentes sociais e terapeutas, pela polícia e por uma enfermeira pediátrica chamada Susan Kelley, cujo papel nos interrogatórios foi devastador, e que chegou ao ponto de dizer aos pais de uma criança que negava tudo que esta tinha sido abusada, mas, por bloqueio psicológico, não conseguia admiti-lo.

O Inspetor John Rivers, da polícia local, exasperado com o fato de nenhuma criança ter revelado espontaneamente um único caso de abuso, declarou que interrogar os meninos era "como tirar sangue de uma pedra". Depois de muito trabalho, a polícia conseguiu de 41 crianças acusações de abuso sexual e pornografia infantil contra Violet Amirault, Gerald Amirault e Cheryl Amirault LeFave, as únicas que o Ministério Público reteve; acusações contra três outros professores, dois indivíduos imaginários chamados "Sr. Gatt" e "Al", e a própria enfermeira Susan Kelley foram arquivadas por falta de provas [9].

O Delegado do Ministério Público estadual, L. Scott Harshbarger, era um jovem ambicioso e viu que este processo podia ser o primeiro passo numa brilhante carreira política, pelo que lhe dedicou o seu maior carinho. O caso de Fells Acres, como ficou conhecido, foi a julgamento. Crianças de 3 e 4 anos papaguearam com maior ou menor fidelidade o que lhes tinham ensinado. Não houve provas materiais de qualquer abuso. Não houve uma única testemunha que afirmasse ter visto um abuso, ou até mesmo ter sabido dele, e isto apesar de a escola ter as portas abertas de dia e ser visitada por pais e familiares das crianças, além de fornecedores, a qualquer hora e sem aviso. Só havia provas testemunhais de crianças, e era apenas na sua credibilidade e fiabilidade que assentava todo o processo.

A credibilidade destas crianças pode avaliar-se pelo seguinte: Durante os interrogatórios da polícia, disseram terem sido violadas com facas de cozinha e paus (que, milagrosamente, não deixaram quaisquer vestígios); ter sido obrigadas a beber urina e a engolir rãs vivas; terem sido obrigadas a ver os Amiraults matar pássaros azuis; ter sido perseguidas por robôs com luzes que piscavam; e ter sido violadas por lagostas gigantes. Segundo um menino, testemunha-chave do processo, Violet Amirault espetou-lhe um pau no reto, estando ele de pé, e depois violou-o com uma varinha mágica; e Cheryl atou-o a uma árvore, estando ele nu e na presença de todos os professores e alunos, obrigando-o em seguida a vê-la cortar uma perna de um esquilo.

Gerald Amirault foi acusado de oito violações de crianças e sete abusos sexuais de menores, cometidos no tal "quarto mágico" (mais tarde identificado como a casa de banho do andar de cima da escola) quando se encontrava vestido de palhaço e dava pelo nome de Tooky, alcunha que realmente tinha quando era menino. Foi também acusado de ter fotografado e filmado os alegados abusos, embora nunca se tivessem encontrado vestígios de tais fotos ou filmes. O próprio tribunal reconheceu a fragilidade das acusações:

Vinte e dois professores, auxiliares e outros empregados da escola testemunharam que tinham acesso livre e sem prévio aviso a todas as partes da escola a qualquer hora. Nenhum sabia de quaisquer indícios de abuso, nenhum tinha ouvido falar de um "quarto mágico" onde a maior parte dos abusos tinha alegadamente ocorrido, e nenhum tinha alguma vez visto Gerald vestido de palhaço, ou até mesmo uma roupa de palhaço dentro da escola. Todos declararam que as crianças gostavam muito de Gerald, antes das alegações de abuso [10].

Apesar de ser claramente inocente, Gerald Amirault foi condenado em 1986 a 30 e 40 anos de prisão. Violet Amirault foi acusada de duas violações e três abusos, Cheryl de três violações e quatro abusos, sendo ambas condenadas em 1987 a 8 e 20 anos de prisão. Eram ambas inocentes. Mas o Delegado do Ministério Público, Lawrence Hardoon, ao ouvir a sentença condenatória, dirigiu-se às pobres mulheres, dizendo-lhes que a partir daquele momento era "vergonhoso" elas continuarem a insistir na sua inocência.

As primeiras dúvidas sobre o processo surgiram em 1991, e vários especialistas demonstraram como o Ministério Público tinha construído um caso sobre abusos inexistentes. Mesmo assim, os tribunais de Massachusetts recusaram-se durante anos a considerar uma revisão do processo, e quando cederam, foi com uma má vontade manifesta.

Violet e Cheryl pediram várias vezes liberdade condicional, que lhes foi sempre recusada; a esta última, foi-lhe dito que não sairia enquanto não confessasse a sua culpabilidade. Mas em 1995, o Supremo Tribunal do Estado anulou por fim as condenações de Violet e Cheryl, ordenou a libertação delas e concedeu-lhes o direito de novo julgamento; o Ministério Público recorreu e as sentenças foram novamente impostas, porque, segundo os doutos magistrados: O simples fato de os processos, se fossem novamente julgados, poderem ter outro fim, ou o fato de ainda haver alguma dúvida sobre as condenações originais, não pode constituir uma razão suficiente para reabrir um caso que a sociedade tem o direito de considerar encerrado.

Violet Amirault, muito doente, foi libertada sob fiança e morreu de um cancro em setembro de 1997, com 74 anos. Cheryl foi autorizada a visitá-la no hospital antes que morresse, mas negaram-lhe a autorização para ir ao funeral da mãe.

Em 21 de outubro de 1999, os advogados de Cheryl conseguiram a sua libertação, mas sob condições severas: Cheryl estava proibida de ter contatos com as alegadas vítimas ou suas famílias, de arranjar um emprego que a pusesse em contacto com menores de 16 anos, de se aproximar de um menor de 16 anos sem estar acompanhada, e de receber dinheiro de publicações que se referissem ao seu processo. Nos dez anos seguintes, ficaria sob supervisão oficial e ficaria proibida de falar publicamente do seu processo. Além disso, desistiria para sempre de ilibar o seu nome por via legal. Qualquer violação destas condições implicaria a sua prisão imediata. O fato de lhe estarem negado os seus direitos constitucionais era irrelevante.

Gerald Amirault continuou preso. Em 6 de Julho de 2001, a Comissão de Liberdade Condicional de Massachusetts votou a sua libertação por unanimidade, mas a Governadora do Estado, Jane Swift, arrastou a sua decisão até 20 de Fevereiro seguinte, para não prejudicar a sua campanha eleitoral e, por fim, recusou-se a aprovar a liberdade condicional, por não lhe parecer "aconselhável" [11]. Depois de vários recursos legais, a Comissão reconfirmou a libertação condicional de Gerald Amirault em 16 de outubro de 2003, numa decisão que não carecia de aprovação do novo Governador, Mitt Romney – e, ainda bem, porque se dizia que o Governador era homofóbico. Mas, por razões burocráticas, a libertação de Gerald foi adiada para 30 de abril de 2004. O sistema judicial, contudo, teve a última palavra: em 25 de Março de 2005, a Repartição de Registro de Delinquentes Sexuais classificou-o como delinquente de nível 3, ou seja, perigoso, com alto risco de reincidência, o que praticamente lhe anulava as hipóteses de arranjar emprego. Ficou proibido para toda a vida de ter contato com menores de 18 anos. E os jornais locais foram obrigados, por lei, a publicar um aviso à comunidade, dizendo que Gerald estava em liberdade e onde residia [12].

Os Delegados do Ministério Público que foram responsáveis pela condenação de pessoas inocentes prosperaram na vida. Lawrence Hardoon veio a ser sócio de uma firma de advogados especializada em exigir indenizações de pessoas condenadas por abusos sexuais, o que lhe garantiu uma existência economicamente folgada. L. Scott Harshbarger teve uma carreira política distinta [13], além de ser Professor de Ética Legal (!) na Faculdade de Direito da Boston University, e Professor visitante da Harvard Law School e da Northeastern University.

O crime às vezes compensa - e dizemos “crime” com razão: quando era mais que evidente que os Amiraults eram inocentes, Harshbarger declarou ao Boston Globe, em 20 de Abril de 1997, que os que pretendiam provar a sua inocência estavam a "negar absolutamente que existe abuso de crianças". Seria esta a atitude que se esperava de um cristão devoto e membro do Union Theological Seminary de Nova York, como Harshbarger era?

E os meninos, agora adultos? O escândalo de Fells Acres foi um grande negócio, cujos pormenores só foram revelados em 1997 por um jornalista de investigação [14]. O menino que deu origem ao escândalo recebeu 75.000 dólares após a condenação dos Amiraults, mais 35.000 quando fez 18 anos e 45.000 aos 21 anos, e receberá 65.000 dólares aos 25 anos e 110.000 dólares (!) aos 30 anos. Outros receberam 50.000 dólares quando fizeram 18 anos. Uma menina que só esteve dois meses na creche e nem sequer chegou a testemunhar recebeu 70.000 dólares após as condenações, seguidos de 35.000 dólares aos 18, 21 e 25 anos, e a partir de 2011 ficará a receber uma pensão mensal de 378 dólares até ao fim da vida; os pais receberam 70.000 dólares de recompensa. Outra menina, que também não testemunhou, recebeu 85.000 dólares e, quando perfizer 25 anos, passará a receber 2.385 dólares mensais por toda a vida. Vale ou não vale a pena fazer condenar inocentes?

[9] Mais tarde, Sena Garvin, da University of Texas at El Paso, usou as técnicas de interrogatório aplicadas ao caso de Fells Acres num projecto de investigação, obtendo acusações falsas de 75% das crianças de 3 anos e 50% das crianças de 4 a 6 anos incluídas no seu trabalho. E isto fora de um ambiente de coacção policial.

[10] Da transcrição do texto oficial da revisão do julgamento dos Amiraults. Cf. ainda www.stopbadtherapy.com/letters/romney.html.

[11] A justiça divina é superior à dos homens; a eleição teve lugar em 19.3.2002 e Jane Swift perdeu.

[12] É justo acrescentar que os vizinhos de Gerald, indignados por tais decisões, escreveram às autoridades em protesto, apoiando-o. E um anónimo fez-lhe chegar às mãos dinheiro suficiente para ele poder custear os estudos universitários das filhas.

[13] Foi membro da Comissão de Ética do Estado de Massachusetts, foi eleito Procurador Geral do Estado em 11.1990 (reeleito em 11.1994), e foi candidato a Governador do Estado em 11.1998 pelo Partido Democrático, perdendo a eleição, embora obtivesse 48% dos votos.

[14] Tom Mashberg, num artigo de 22.4.1997 no Boston Herald.

Fonte:






 
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